Praticamente todos os dias, ou, pelo menos, toda semana nas redes sociais alguém presta uma homenagem ou comenta o falecimento de algum escritor, artista, ator, político, ativista, ou entes queridos, professores, colegas, familiares, amigos.
Ultimamente, principalmente!
Algo tão frequente, normal e natural que eu acho curioso como ainda assim insistimos em evitar olhar e pensar sobre o inevitável, sobre a impermanência da vida, e seguimos negando, consciente ou inconscientemente, a natureza peremptória das coisas.
Achamos sempre que temos tempo. Planejamos nosso futuro, e não vivemos como se não houvesse amanhã.
Esquecemos da morte e vamos nos fixando e nos apegando a coisas mesquinhas, objetos de consumo, acumulando bens, desafetos, intrigas, rancores, e nos fechando em mundinhos particulares.
Incrivelmente, apesar de toda frase de efeito que surge quando algum caso inesperado ocorre atestando a fragilidade da vida, de que para morrer basta estar vivo, sempre nos assustamos e somos pegos de surpresa quando recebemos a notícia de que alguém se foi.
A morte é a única certeza que temos, como dizem, e ainda assim nos assombramos, nos chocamos, e temos grande dificuldade de aceitá-la quando ocorre perto de nós.
Por quê?
Por que não queremos enfrentar esse tema?
Frequentemente passo em frente ao cemitério no caminho para casa ou para o trabalho e para mim é inevitável reparar nos túmulos ou prédios visíveis para fora dos muros e pensar a respeito. (Também me fazem pensar em como nossa sociedade é estranha, em que muitos corpos apodrecendo ou já há muito decompostos têm uma "casa" e proteção maior e melhor do que famílias inteiras... mas enfim, isso já é outro assunto)
Outro dia fui à exposição de fotos da Frida Kahlo no museu e lá estava eu refletindo sobre a efemeridade da vida novamente... havia muitas fotos dela, de seus amores, familiares e amigos, e fiquei ali pensando como deveria ser a vida naquela época não tão distante, de todas aquelas pessoas retratadas, que hoje já são falecidas.
Disso surgiu uma constatação realmente interessante ao pensar que daqui 100 anos, provavelmente todas as pessoas, não apenas as que conhecemos, mas todas as pessoas que vivem hoje no mundo, aproximadamente 7 bilhões, estarão mortas...
Com muita sorte, talvez permaneça a lembrança de uma minoria, talvez dezenas, no máximo centenas, que por algum feito extraordinário ou notável terão suas vidas, fotos ou obras apreciadas, estudadas, ou lidas.
Diante de uma verdade tão dura e inexorável, fica de novo a pergunta: por que tentamos fechar os olhos e fugir desse assunto?
Muitos dizem que as coisas e os problemas se tornam pequenos diante da morte. Penso que isso de fato acontece justamente porque não refletimos sobre nossa impermanência com mais frequência.
Se o fizéssemos, talvez daríamos outra importância para as coisas no nosso dia a dia.
Então por que em vez de pensar mais seriamente sobre isso, cair na real, e tomar atitudes para viver da melhor maneira possível o momento presente, com alegria e dando-lhe valor, nos esquivamos?
Talvez porque nossa cultura realmente não goste desse assunto, e em vão cria formas de evitá-lo, inúmeras respostas, contos, ou mesmo promessas de eternidade após a morte, na tentativa de superar o insuperável.
Mesmo sendo tudo um grande mistério, queremos acreditar na eternidade, na solidez.
Isso certamente está relacionando ao nosso apego a essa forma que temos, nos identificamos, e que não queremos perder por nada.
O apego é um vício emocional que não nos permite ver e agir com mais lucidez e que nos marca enquanto seres humanos.
É por esse apego que insistimos em negar a fluidez das coisas, da vida, do mundo e do próprio universo.
Não é outro motivo pelo qual tanto resistimos a aceitar a natureza cíclica e de constante transformação, que é inerente ao próprio conceito de vida.
Essa é a verdadeira causa de nosso sofrimento, pois por apego negamos o inegável, e insistimos em confiar, nos apoiar e tomar refúgio em coisas impermanentes.
Por isso, toda vez que o inevitável ocorre, sofremos.
Em termos mais radicais, há quem diga que morremos e renascemos todos os dias, a todo instante.
Criamos e dissolvemos identidades a cada novo fato ou objeto que surge à nossa frente, mas não enxergarmos isso e realmente nos apegamos a um ideal que criamos de nós mesmos e achamos que é algo sólido e estável.
Por mais que nossa experiência de vida demonstre que estamos sempre mudando, ainda assim é difícil pensar que o que chamamos de "eu", com uma essência, seja algo ilusório, que criamos, e que por isso mesmo pode ser desconstruído.
Contudo, penso que basta parar um pouco para pensar e refletir a respeito para perceber toda essa impermanência que tanto queremos negar.
Com um pouco mais de esforço, quem sabe não paramos de negá-la e aproveitamos o que esse mundo cheio de possibilidades, exatamente por conta dessa mobilidade, tem a oferecer, apreciando cada momento único de forma mais leve e desprendida?
Fica aqui o convite!