quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Não podemos tolerar a intolerância




Certamente este ano não foi a primeira, e nem será a última vez, que ao final de uma disputa eleitoral nos deparamos com as mais diversas manifestações de contentamento e/ou insatisfação com o resultado.

Lembro bem quando em 2002 o presidente Lula foi eleito pela primeira vez. Não faltaram comentários preconceituosos e de discriminação sobre seu suposto déficit educacional, que ainda são reproduzidos até hoje, como se o único aprendizado possível fosse o da escola.

Quiséramos isso fosse verdade e que a formação escolar bastasse para acabar com a falta de educação e ideias nocivas sobre a vida e a sociedade! Se assim o fosse, provavelmente não veríamos tantos graduados, pós-graduados, cultos e intelectuais falando tanta besteira por aí!

Quem dera as coisas mais importantes da vida realmente pudessem ser aprendidas em livros e manuais! Provavelmente seria bem mais fácil viver e aprender, mas, como bem disse Cora Coralina: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria, se aprende com a vida e com os humildes”, e infelizmente, nem todos aqueles que crescem intelectualmente desenvolvem inteligência emocional e acumulam sabedoria.

A julgar pelo que vemos não só nos jornais, mas também em nossas “timelines”, poucos conseguem refletir, processar as informações e filtrá-las.

Realizar tais tarefas demanda algum amadurecimento emocional e psíquico, mas, lamentavelmente, parece que nem todos têm feito as lições de casa da vida.

Por conta disso, muita gente, esquecendo da responsabilidade que se tem por cada ato e palavra, acabou agredindo e hostilizado amigos e pessoas próximas, mesmo “sem querer”.

Isso demonstra como muitos ainda estão na primeira infância no quesito da inteligência emocional. A maioria das declarações pós-eleições é simbólica para demonstrar a forma que alguns possuem de lidar com as adversidades.

A inabilidade de lidar com os contratempos levou várias pessoas insatisfeitas a culpar os “outros” por seu fracasso. (O que é feito constantemente não só na política, mas em diversas outras questões da vida).

Vendo dessa forma não deveria surpreender tantos discursos de ódio a determinados setores da sociedade, ou àqueles que pensam diferente. Afinal, para essas pessoas, os “outros” não podem pensar diferente de “mim”, EU, senhor da verdade e da sabedoria, caso contrário, serão rotulados de burros, idiotas e babacas. O “outro” não pode votar em um candidato que eu não aprovo, porque se for assim eu digo que foi voto de cabresto, por interesses pessoais escusos ou ignorância, não sabem votar.

Nessa lógica, não resta mesmo alternativa àqueles que ainda não aprenderam a regular e separar suas emoções, nem a realizar um filtro e desenvolver o próprio controle inibitório, senão hostilizar e diminuir o “outro”.

Realmente não era de se estranhar algumas declarações vindo de pessoas imaturas, mas feliz ou infelizmente, vindo de quem veio surpreendeu!

Surpreendeu porque não imaginávamos quão imaturas eram algumas pessoas. Surpreendeu porque temos pessoas muito queridas que também enfrentam dificuldades por serem diferentes, que também sabem que é importante respeitar os demais e aprender a conviver com a diversidade. Surpreendeu porque no meio dessas pessoas temos muitos amigos que também querem ser respeitados por sua condição econômica, racial ou sexual. Conhecidos que sabem quão importante é a tolerância e o respeito às diversas nacionalidades e origens culturais e sociais.

Então o que aconteceu com estas pessoas?

Será que foram tomadas pelo “efeito manada” e se deixaram levar por alguns impulsos e descontentamento sem refletir?

Pode até ser, mas nem por isso podemos ficar calados e não nos horrorizar diante de certas manifestações, cuja total falta de respeito, de tolerância e acima de tudo de civilidade e espírito democrático foram assustadoras!!

É realmente triste ver pessoas queridas que sofrem ou podem sofrer preconceito por serem “diferentes” apoiando visões de mundo intolerantes, numa raiva cega porque seu candidato perdeu uma disputa eleitoral.

Aparentemente, alguns demonstraram que o discurso da compreensão e respeito só é válido quando é em relação a “mim”. Quando “eu” quero o respeito dos outros, quando meu irmão é deficiente físico, quando alguém da minha família tem algum distúrbio mental, quando meu primo é bipolar, quando meu parente tem síndrome de down ou é autista, quando meu avô sofre de alzheimer, quando o meu amigo negro, o meu empregado pobre ou o meu parente homossexual é discriminado...

Essa não parece ser uma atitude muito coerente não é? E esse é o grande problema da hipocrisia, evidenciada nos discursos de ódio proferidos por alguns colegas, expondo ideais do tipo: Enquanto eu estou ganhando, valem as regras do jogo, mas se eu perco, não quero mais jogar, vamos pedir o Impeachment do candidato eleito, vamos chamar a tropa de choque, os militares, destruir tudo, dividir o país, etc.

Por quê? Porque eu não posso perder!

É medonho imaginar que por não conseguir aceitar a derrota, muitos preferem extirpar todos os direitos e garantias da democracia para simplesmente vencer, valendo-se até mesmo de clamores a um golpe militar.

É como se estivessem dizendo: Tenho que ganhar a qualquer custo, acima da vontade da maioria, acima da democracia, acima da unidade do território nacional, tenho que ganhar acima de tudo e de todos.

Se por ventura um dia sofrermos novamente um golpe de Estado seria bom lembrar que muitos pediram por isso, e vergonha é pouco para expressar o que sinto sobre esse tipo de manifestação, essa sim extremamente ignorante, porque ignora toda a história e sofrimento vivenciados no período de regime militar não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro!

Já pensou se realmente estas pessoas tivessem o poder em suas mãos?

Nessas horas, fica ainda mais evidente como apesar de todas as dificuldades que enfrentamos, logramos avanços civilizatórios significativos que culminaram na democracia que temos hoje, e que mesmo não sendo perfeita, é a nossa maior conquista!

E felizmente, democracia não é o que os perdedores recalcados querem que seja, nem propriedade de alguns.

Na última semana, ouvi relatos de inúmeras pessoas reclamando de ter que deletar amigos do Facebook porque se tornou insuportável a quantidade de desaforos e ofensas proferidas, inviabilizando o diálogo. Eu mesma optei por desfazer algumas conexões virtuais de pessoas que mal conhecia e achei desprezíveis.

Diante de tão insólito cenário, passei alguns dias pensando sobre até que ponto temos que aprender a lidar com nossas aversões e a aceitar o outro apesar de não concordar com seus pensamentos. Passei por um processo dialético incessante entre a tolerância e a aversão a certas atitudes que parecia não ter solução.

De um lado, ao pregar a tolerância, aparentemente teria que tolerar até mesmo estes discursos infames, do outro, o receio em cair no mesmo senso comum de aversão e negação do "outro" me incomodava.

Depois de sopesar bastante essas questões, cheguei à conclusão de que por mais que seja necessário e salutar nós aceitarmos o “outro”, o diferente, toda tolerância tem limites e realmente não dá para tolerar a intolerância!

Não dá para ser condescendente quando o “outro” quer impor sua visão individualista e autoritária, sob pena de justamente dar espaço à negação da diversidade. Não dá para se coadunar e ficar passivo quanto a certas manifestações de ódio e intolerância difundidas aos quatro ventos.

A história já demonstrou a relação direta entre a disseminação do discurso da intolerância e diversos massacres, holocaustos e atentados aos direitos humanos, no sentido de aniquilar o “outro”.

Muitos, buscando amenizar e/ou justificar seus absurdos chegaram a afirmar que algumas declarações foram apenas brincadeira.

Pode ser uma tentativa de escapar da responsabilidade pelo resultado de suas ações impensadas, mas não dá para aceitar certas brincadeiras que são, no mínimo, de mau gosto.

Que tal se disséssemos a todos os nossos negros e índios que o racismo é apenas brincadeira, ou falássemos às nossas mulheres vitimadas diuturnamente que o machismo é só galhofa, ou aos gays, lésbicas e trans que morrem por preconceito que as piadinhas são só gozação?!

Acho que não dá né?

Penso que um pouco de reflexão acerca do tipo de ideário que permite o desenrolar de processos que culminam em tristes momentos como o que se viu na Alemanha nazista, ou que vemos ainda hoje em Israel, na Síria, e tantos outros países, é fundamental.

Pode não ser tão fácil assim assimilar e conviver com as diferenças e criar um mínimo de senso de respeito e aceitação do outro, mas é algo essencial, sob pena de retrocesso e perda de nossas maiores conquistas civilizatórias.

Liberdade de expressão, assim como todo e qualquer direito também tem limites. Por mais que seja necessário nos esforçarmos para aceitar as opiniões que desprezamos, é preciso ter cuidado para também não sermos cúmplices de atrocidades por omissão.

Assim, por não aceitar passivamente a conduta das pessoas que apóiam a polidez apenas quando estão vencendo, mas querem impor sua lógica do tudo ou nada quando derrotados, resolvi escrever.

E por acreditar na possibilidade da lucidez se sobressair frente ao obscurecimento é que escrevo e chamo todos os meus amigos, independentemente de seus posicionamentos políticos, para uma reflexão sobre o tema.

Em momentos como este, as pessoas podem expressar o pior e o melhor de si, então, ao invés de responder com mais baixaria, tentemos sempre com respeito e com a motivação correta, de beneficiar aqueles que acreditamos estar submersos em ignorância e negatividade, despertar e estimular o que há de melhor em cada um ao nosso redor.

Quem sabe assim, relembrando que somos seres sociais e somente logramos êxito em nossa evolução por juntarmos nossos esforços, ao ressaltar o nosso espírito de comunidade e união, que em última instância é o que nos faz verdadeiramente felizes, possamos alcançar minimamente um pouco de paz em nossas consciências e em nossos corações.

domingo, 19 de outubro de 2014

Já temos tudo o que precisamos









Outro dia eu estava caminhando quando vi alguns passarinhos voando e percebi como o ninho deles geralmente é escondido no meio das folhas e galhos das árvores e raramente conseguimos ver. Exceção é o ninho do joão-de-barro, que é uma casinha linda e super bem construída. 


Vendo a casa do joão-de-barro na outra árvore, me pus a pensar nos esforços que o passarinho tem que fazer para carregar pouco a pouco o barro para construir a casa dele.

Então comecei a imaginar como seria difícil nossa vida se fôssemos como os passarinhos e tivéssemos que construir a nossa própria casa, pouco a pouco, com o esforço individual. Carregar todos os tijolos, todas as telhas, piso, cimento, barro, madeira, estrutura.

Não é incrível tudo que conseguimos conquistar enquanto seres sociais, a troca de experiências e de habilidades, os confortos, os esforços que deixamos de fazer porque criamos máquinas e instrumentos para nos auxiliar?

Certamente pouco disso haveria se tivéssemos que fazer tudo sozinhos!

Além disso, como é bacana a vida em sociedade em que cada um tem uma função e uma atividade, e que em conjunto tornam possível a vida em larga escala e em grandes cidades. Assim como as abelhas e formigas têm suas funções diferenciadas e uma organização que permitem que vivam numa mesma colméia ou formigueiro.

Ao mesmo tempo, parece estranho pensar que vivemos em sociedade, com máquinas, indústrias, etc, e ainda assim trabalhamos tanto. Penso que poderíamos trabalhar bem menos do que trabalhamos hoje. Temos condições materiais mais do que suficientes para trabalhar não mais do que 4 horas por dia. Então qual o problema?

Claro que há inúmeros motivos políticos, econômicos e culturais para que se evite a redução da jornada de trabalho, mas na minha opinião, nada justifica a manutenção da escala de trabalho atual, e enquanto esta não for reduzida, continuarei achando esse sistema ilógico e irracional.

Por outro lado, questiono de que nos serviria uma redução do trabalho... afinal nada garante que com isso lograríamos maior satisfação e felicidade.

Há pouco mais de um século trabalhávamos 16 horas por dia, e hoje, mesmo trabalhando a metade desse período, ainda sentimos que não temos tempo. 

Criamos a TV e a internet, onde passamos horas a toa, e também fomos criando problemas e ocupações que não existiam antes. 

Mesmo tendo inúmeras mordomias e confortos, água encanada, luz, abrigo, alimentos abundantes, etc, ainda não somos felizes porque sempre queremos mais...

E não tem nada de errado em querer sempre mais, afinal, essa é uma característica que nos faz humanos.

A própria psicologia evolutiva explica isso, pois geramos impulsos elétricos de prazer quando conseguimos algo que queremos, no entanto, esses impulsos não se prolongam no tempo. Então, para obter a mesma sensação novamente, buscamos sempre algo para manter esses impulsos, essas sensações.

Caso contrário, se ficássemos satisfeitos e saciados por muito tempo depois da primeira experiência de sucesso, deixaríamos de buscar novas experiências, colocando em risco nossa própria sobrevivência, levando a problemas relativos à fome, sede, reprodução, etc.

Por muito tempo eu pensei que grande parte da culpa de nossa insatisfação era diretamente relacionada aos ideais capitalistas, em que somos vítimas de um bombardeio incessante de propagandas, incentivos de consumismo e práticas absurdas como a obsolescência programada.

Entretanto, ao entender um pouco mais sobre como somos, percebi que apesar de haver realmente muita influência para que continuemos consumindo, nem toda insatisfatoriedade é decorrente dos incentivos e influências para querer mais, esse é apenas um reflexo de como já somos. 

Não é necessário fazer nenhum esforço para manter a insatisfação em alta e generalizada, é algo que já temos dentro de nós, por isso é tão fácil instigar as pessoas a querer e consumir mais. 

Por outro lado, não é feito quase nenhum esforço no sentido contrário, para incentivar as pessoas a se sentirem bem com o que elas têm e, principalmente, pelo que são! Afinal, se estivermos muito satisfeitos, precisaremos de menos coisas, o que é ruim para o capital.

Aliás essa frase ouvi em um filme: 

“A verdadeira felicidade é muito ruim para as vendas.”

E é aí que mora o problema.

O problema está justamente nos artifícios que criamos e nas falsas felicidades que são vendidas diariamente.

Ao entender a nossa insatisfatoriedade, ao invés de aprender e ensinar como lidar com isso, a maioria das pessoas faz justamente o contrário, se aproveita dessa nossa condição para criar necessidades e vender mais produtos, mais sonhos e mais ideais.

Com isso, um dos maiores equívocos do “se eu tiver isso, eu serei mais feliz” é reafirmado a cada outdoor, a cada propaganda, a cada marca, a cada instante.

E o mais incrível é que mesmo depois de ter várias vezes, inúmeras dessas coisas que “vão nos deixar mais felizes” sem necessariamente conseguirmos realizar essa “felicidade”, a gente ainda assim continua acreditando, e poucas pessoas realmente param pra pensar e suspeitam que algo está errado.

Ficamos como baratas tontas correndo para todos os lados buscando uma maneira de saciar nossa insatisfatoriedade, mas nunca conseguimos por muito tempo. Logo a gratidão e alegria por conseguir algo se perde, e começamos novamente a achar que precisamos de um celular mais novo, um carro maior e mais potente, uma bicicleta, uma casa, um emprego, um salário, um país, uma gaiola vida melhor! 

Tudo pode ser sempre melhor! 

E mesmo que assim não fosse, há sempre algo que nos falta, seja material ou mesmo sentimental e emocional.

Quantas carências afetivas, de atenção, carinho, amizades, relacionamento amoroso, enfim, milhares de necessidades existem, mesmo fora do ambiente capitalista?!

Por mais ricos que a gente seja, nunca teremos tudo que há no mundo. Por mais populares, nunca conheceremos todas as pessoas nem seremos amigos de todos, e por mais viajados, nunca conheceremos todos os lugares.

No entanto, olhando para tudo isso, mesmo sabendo que essa é a nossa condição humana, ao invés de ficar criando produtos e artifícios para tentar tapar esses abismos insaciáveis que temos, penso ser possível superar boa parte dessa sensação de falta, insatisfação, e busca incessante de algo mais, com liberdade, e não com mais aprisionamento a mais coisas.

Quando entendemos esse mecanismo, nos damos conta de que parecemos ratinhos de laboratório correndo naquelas rodinhas de gaiola sem ter para onde ir. 

Se reduzirmos um pouco a velocidade da nossa exaustiva e incessante corrida, talvez a gente possa perceber como estávamos correndo há tempos, sem parar, mas também sem chegar a lugar nenhum.

Uma constatação que pode não ser fácil de fazer, mas que é extremamente importante e libertadora, afinal, deixamos de dar tanta importância para a corrida e a roda, e percebemos que podemos fazer algo diferente para variar!

Para quem não quer ver ou não se incomoda em estar em uma roda dentro de uma gaiola, tudo bem, mas para quem já as percebeu a notícia é boa: Há uma saída!

E eu ainda diria mais: suspeito que quando pararmos mesmo de correr, e sairmos da rodinha, finalmente poderemos perceberemos que as portas da gaiola sempre estiveram abertas!