domingo, 19 de outubro de 2014

Já temos tudo o que precisamos









Outro dia eu estava caminhando quando vi alguns passarinhos voando e percebi como o ninho deles geralmente é escondido no meio das folhas e galhos das árvores e raramente conseguimos ver. Exceção é o ninho do joão-de-barro, que é uma casinha linda e super bem construída. 


Vendo a casa do joão-de-barro na outra árvore, me pus a pensar nos esforços que o passarinho tem que fazer para carregar pouco a pouco o barro para construir a casa dele.

Então comecei a imaginar como seria difícil nossa vida se fôssemos como os passarinhos e tivéssemos que construir a nossa própria casa, pouco a pouco, com o esforço individual. Carregar todos os tijolos, todas as telhas, piso, cimento, barro, madeira, estrutura.

Não é incrível tudo que conseguimos conquistar enquanto seres sociais, a troca de experiências e de habilidades, os confortos, os esforços que deixamos de fazer porque criamos máquinas e instrumentos para nos auxiliar?

Certamente pouco disso haveria se tivéssemos que fazer tudo sozinhos!

Além disso, como é bacana a vida em sociedade em que cada um tem uma função e uma atividade, e que em conjunto tornam possível a vida em larga escala e em grandes cidades. Assim como as abelhas e formigas têm suas funções diferenciadas e uma organização que permitem que vivam numa mesma colméia ou formigueiro.

Ao mesmo tempo, parece estranho pensar que vivemos em sociedade, com máquinas, indústrias, etc, e ainda assim trabalhamos tanto. Penso que poderíamos trabalhar bem menos do que trabalhamos hoje. Temos condições materiais mais do que suficientes para trabalhar não mais do que 4 horas por dia. Então qual o problema?

Claro que há inúmeros motivos políticos, econômicos e culturais para que se evite a redução da jornada de trabalho, mas na minha opinião, nada justifica a manutenção da escala de trabalho atual, e enquanto esta não for reduzida, continuarei achando esse sistema ilógico e irracional.

Por outro lado, questiono de que nos serviria uma redução do trabalho... afinal nada garante que com isso lograríamos maior satisfação e felicidade.

Há pouco mais de um século trabalhávamos 16 horas por dia, e hoje, mesmo trabalhando a metade desse período, ainda sentimos que não temos tempo. 

Criamos a TV e a internet, onde passamos horas a toa, e também fomos criando problemas e ocupações que não existiam antes. 

Mesmo tendo inúmeras mordomias e confortos, água encanada, luz, abrigo, alimentos abundantes, etc, ainda não somos felizes porque sempre queremos mais...

E não tem nada de errado em querer sempre mais, afinal, essa é uma característica que nos faz humanos.

A própria psicologia evolutiva explica isso, pois geramos impulsos elétricos de prazer quando conseguimos algo que queremos, no entanto, esses impulsos não se prolongam no tempo. Então, para obter a mesma sensação novamente, buscamos sempre algo para manter esses impulsos, essas sensações.

Caso contrário, se ficássemos satisfeitos e saciados por muito tempo depois da primeira experiência de sucesso, deixaríamos de buscar novas experiências, colocando em risco nossa própria sobrevivência, levando a problemas relativos à fome, sede, reprodução, etc.

Por muito tempo eu pensei que grande parte da culpa de nossa insatisfação era diretamente relacionada aos ideais capitalistas, em que somos vítimas de um bombardeio incessante de propagandas, incentivos de consumismo e práticas absurdas como a obsolescência programada.

Entretanto, ao entender um pouco mais sobre como somos, percebi que apesar de haver realmente muita influência para que continuemos consumindo, nem toda insatisfatoriedade é decorrente dos incentivos e influências para querer mais, esse é apenas um reflexo de como já somos. 

Não é necessário fazer nenhum esforço para manter a insatisfação em alta e generalizada, é algo que já temos dentro de nós, por isso é tão fácil instigar as pessoas a querer e consumir mais. 

Por outro lado, não é feito quase nenhum esforço no sentido contrário, para incentivar as pessoas a se sentirem bem com o que elas têm e, principalmente, pelo que são! Afinal, se estivermos muito satisfeitos, precisaremos de menos coisas, o que é ruim para o capital.

Aliás essa frase ouvi em um filme: 

“A verdadeira felicidade é muito ruim para as vendas.”

E é aí que mora o problema.

O problema está justamente nos artifícios que criamos e nas falsas felicidades que são vendidas diariamente.

Ao entender a nossa insatisfatoriedade, ao invés de aprender e ensinar como lidar com isso, a maioria das pessoas faz justamente o contrário, se aproveita dessa nossa condição para criar necessidades e vender mais produtos, mais sonhos e mais ideais.

Com isso, um dos maiores equívocos do “se eu tiver isso, eu serei mais feliz” é reafirmado a cada outdoor, a cada propaganda, a cada marca, a cada instante.

E o mais incrível é que mesmo depois de ter várias vezes, inúmeras dessas coisas que “vão nos deixar mais felizes” sem necessariamente conseguirmos realizar essa “felicidade”, a gente ainda assim continua acreditando, e poucas pessoas realmente param pra pensar e suspeitam que algo está errado.

Ficamos como baratas tontas correndo para todos os lados buscando uma maneira de saciar nossa insatisfatoriedade, mas nunca conseguimos por muito tempo. Logo a gratidão e alegria por conseguir algo se perde, e começamos novamente a achar que precisamos de um celular mais novo, um carro maior e mais potente, uma bicicleta, uma casa, um emprego, um salário, um país, uma gaiola vida melhor! 

Tudo pode ser sempre melhor! 

E mesmo que assim não fosse, há sempre algo que nos falta, seja material ou mesmo sentimental e emocional.

Quantas carências afetivas, de atenção, carinho, amizades, relacionamento amoroso, enfim, milhares de necessidades existem, mesmo fora do ambiente capitalista?!

Por mais ricos que a gente seja, nunca teremos tudo que há no mundo. Por mais populares, nunca conheceremos todas as pessoas nem seremos amigos de todos, e por mais viajados, nunca conheceremos todos os lugares.

No entanto, olhando para tudo isso, mesmo sabendo que essa é a nossa condição humana, ao invés de ficar criando produtos e artifícios para tentar tapar esses abismos insaciáveis que temos, penso ser possível superar boa parte dessa sensação de falta, insatisfação, e busca incessante de algo mais, com liberdade, e não com mais aprisionamento a mais coisas.

Quando entendemos esse mecanismo, nos damos conta de que parecemos ratinhos de laboratório correndo naquelas rodinhas de gaiola sem ter para onde ir. 

Se reduzirmos um pouco a velocidade da nossa exaustiva e incessante corrida, talvez a gente possa perceber como estávamos correndo há tempos, sem parar, mas também sem chegar a lugar nenhum.

Uma constatação que pode não ser fácil de fazer, mas que é extremamente importante e libertadora, afinal, deixamos de dar tanta importância para a corrida e a roda, e percebemos que podemos fazer algo diferente para variar!

Para quem não quer ver ou não se incomoda em estar em uma roda dentro de uma gaiola, tudo bem, mas para quem já as percebeu a notícia é boa: Há uma saída!

E eu ainda diria mais: suspeito que quando pararmos mesmo de correr, e sairmos da rodinha, finalmente poderemos perceberemos que as portas da gaiola sempre estiveram abertas!

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