sexta-feira, 12 de maio de 2017

Entender o outro

    Eu fico triste ao encontrar pessoas e manifestações de conhecidos muito diferentes do que eu acredito, fico chateada mesmo, gero aversão não apenas à opinião ou manifestação, como às vezes também ao próprio interlocutor, por mais querido que seja, eu confesso, dá uma decepção no coração...

    Por outro lado, quando vejo algo no mesmo sentido do que eu penso, eu fico feliz, aplaudo, dou apoio!!!

     Mas opa, peraí, nem tudo é assim tão simples.

    Hoje cheguei à conclusão de que isso é só o meu ego querendo se satisfazer, encontrar concordâncias para dizer que estou certa e que tenho razão!

     Mais alguém sente isso atualmente? 

     Acho que infelizmente não sou a única! :(

    Diante dessa constatação eu comecei a me questionar: Porque é tão difícil os outros me entenderem? E essa pergunta, assim como todo pensamento de mão dupla já veio acompanhado com o outro lado da moeda: Porque é difícil para mim entender os outros?

     O que diferencia eu e você? ... O que somos afinal? 

     É, eu costumo ir longe com questões aparentemente bem simples, mas vamos às reflexões do dia...

    Eu acredito que nosso ego nada mais é do que um agregado de pensamentos, sensações, percepções, um misto de contradições, todos frutos de construções, visões parciais,  raciocínios mais ou menos lógicos, no fundo muito mais ilógicos do que imaginamos ou gostaríamos que fosse!

    Numa disputa de ideias pode parecer que uma é mais certa do que outra, mas será? Será que há apenas uma certa? Será mesmo que uma pode ser defendida como melhor do que outra? Ou será que todas podem estar certas, cada uma em seu contexto de formulação?

    Eu me questiono tudo isso, porque, em regra, eu não consigo entender aqueles que eu rotulo como conservadores, vingativos, raivosos, preconceituosos que têm orgulho disso, seres que não têm solidariedade social como valor em suas vidas, etc... eu me questiono isso porque antes também me questionei como é possível que as pessoas defendam ideais que vão contra elas mesmas?! Como podem aceitar que os EUA digam o que é democracia no mundo, ou desejar que o outro se ferre ou que as coisas piorem só pra ter razão, e etc... (muitos etc...)

    Bem, na dialética desse pensamento eu/outro, volto para mim e vejo, um pouquinho de história sempre elucida muitas coisas, afinal se hoje me identifico com certos ideais, penso assim ou assado, certamente é porque cresci em um contexto em que me foram apresentados alguns conceitos, valores, situações e formas de interpretar o mundo.

    Desde pequena fui ensinada pelos meus pais a não só ver os invisíveis (los nadies como dizia Galeano), mas também a olhar para eles, e até hoje nenhum passa despercebido sem deixar marcas em mim, por mais banal que seja a cena, por mais submisso e indigno que pareça o pedinte, por mais violento e agressivo que seja o assaltante... outro fator importante na minha concepção de mundo foi o fato de ser influenciada diretamente pelo meu irmão mais velho e suas lutas políticas e ideias que em grande parte praticou no movimento estudantil num contexto de universidades cada vez mais sucateadas. 

    Depois, estudando direito na UFPR não passei ilesa pelas aulas de filosofia e fiquei muito atenta às questões sobre falácias. Ainda mais à frente, finalmente pude ter acesso à compreensão de porque achava bizarro o direito penal, e a (in)justiça brasileira, que não fazia o menor sentido, não sem antes conhecer uma visão crítica do direito penal... e assim fui formando minha opinião. Tendo noções sobre ideologia também passei a ver que se declarar contra a corrupção em contextos políticos de cabo de guerra é muito perigoso, pois serve convenientemente para reificar o discurso dos que perseguem seletivamente apenas alguns (de novo a visão crítica do direto penal me impede de ver de outra maneira, mas considero que nem precisava dessa compreensão pra chegar nessa constatação). 

   Entendendo um pouco como funcionam as relações de poder, não é de surpreender tantas coisas que acontecem diante da estrutura montada há muito tempo para manter no poder aqueles que sempre o tiveram, porém, é meio assustador ver os desdobramentos concretos disso tudo às vezes.

    Enfim, a ideia não é entrar no mérito de nenhuma dessas questões, e sim apenas demonstrar que assim como os outros, eu tenho muitas opiniões, formadas ou não, e sinceramente, cada uma delas poderia gerar tanta conversa que não tenho absolutamente nenhum interesse de defender nenhuma em confrontos tolos virtuais, mas apenas ilustrar como essas construções fazem parte da minha forma de ver e interpretar o mundo, assim como acontece com qualquer outra pessoa!

     Ao entender as minhas construções, naturalmente passo a entender também as do outro, fica mais fácil compreender que "ele" pensa diferente porque aprendeu diferente, tem outros valores e outra forma de ver e interpretar o mundo. 

   Nesse caso é muito compreensível que premissas diferentes vão resultar em opiniões diferentes não é mesmo?

    Tão bom se pudéssemos respeitar mais a história e visão de cada um, sem odiar o outro apenas por ser exatamente o que ele é: o outro!!

    De repente a aversão, o ódio, e a revolta que mencionava no início desse texto já não fazem o menor sentido e, ainda que minimamente, fica mais fácil aceitar as diferenças.

    Quando a raiva foi embora, ficou apenas a gratidão de ter encontrado alguma sabedoria em meio a tanto lodo!

     Espero que eu também não seja a única a sentir isso agora! 

   Quer tentar fazer esse exercício também? É muito simples, começa olhando honestamente para si mesmo, porque no final não há mesmo tanta diferença entre eu e o outro, e felizmente, não somos apenas o que nosso confuso ego pensa que é!