domingo, 15 de junho de 2014

Qual é o objetivo afinal?

Vladmir Kush
Às vezes dá vontade de gritar pra todo mundo (e pra mim mesma também): Hei acorda! Olha o que você está fazendo. Acorda!!! 

Estamos tão hipnotizados pelo nosso dia a dia, pelas nossas preocupações mesquinhas, em nossos mundinhos internos, com tantas respostas automáticas, etc, que parece impossível simplesmente perceber o outro, ou que qualquer coisa original e inovadora aconteça. 

Parece que para qualquer fato da vida ou qualquer coisa que alguém diga já temos uma resposta dada, pronta, pré formulada. Nos achamos maduros, adultos e bem resolvidos por já termos elaborado formas de responder às mais diversas questões e adversidades da vida e achamos que é isso que temos que fazer. 

Será que só pra mim isso parece aprisionante

A gente se amarra cada vez mais em uma única forma de ver o mundo e de pensar, depois achamos que temos que sustentar aquela forma de responder e de fazer as coisas a todo instante para o resto da vida. E mesmo que todo mundo mude constantemente, e que por qualquer descuido já não se saiba mais quem é, ninguém se dá conta de que isso é só uma invenção maluca. 

Qualquer coisa que sai um pouquinho do esperado já faz surgir algumas frases clássicas - Eu deveria ter feito assim, deveria ter dito aquilo, fui pego de surpresa, blá blá blá.

Nessa vidinha nada original e engessada, seguimos achando que o certo é lutar pelo que se acredita, não levar desaforo pra casa, nunca ficar por baixo em uma discussão, vencer, vencer e vencer. Afinal, os argumentos dos outros são ridículos, pois eles estão sempre errados, ou, nas palavras do filósofo, "o inferno são os outros"! 

Caramba!! Que vida horrível uma pessoa assim deve levar, tudo e todos ao redor incomodam, tudo está sempre errado, tudo é ruim, esse país é uma porcaria, as pessoas não são confiáveis... Realmente é um inferno! 

Viver na defensiva porque os outros podem enganar ou passar a perna, os ladrões estão à solta e podem assaltar, os insetos e bichos podem atacar... Sempre tem algo pra se preocupar, algo pra se defender, e ai daquele que ousar questionar essa visão! 

Logo surgem algumas pedras na mão: - Você fala isso porque não é com você! Eu tenho que se assim porque se for diferente... 

Se for diferente o quê?

Quantas vezes, já não escutamos a máxima: - Só podia ser comigo mesmo! 

Chega até a ser engraçado, tragicômico talvez! É tudo tão previsível que há quem já tenha estudado esses comportamentos há milênios! 

Sabe o que é pior (ou melhor)? É verdade! 

Realmente o inferno são os "outros" e realmente só podia acontecer com você! 

Sabe por quê? 

Porque só nessa visão bem particular do mundo “isso” é assim. Por mais que ao contar para os outros muita gente possa concordar, é apenas naquela configuração mental que você criou que as coisas são daquele jeito. 

Isso significa que essa é apenas uma visão possível, não a única! E é por isso que, a cada causo novo na vida, própria ou dos outros (não faz diferença), dá vontade de gritar: Acorda! 

É incrível o que pode acontecer quando a gente para de tentar sustentar o tempo todo determinada visão do mundo, das coisas ou das pessoas, e deixamos um espacinho, ainda que mínimo, se abrir. 

Uma vez ouvi um mestre falar que ser iluminado é cultivar boas relações para todos os lados, com todos os seres. 

Nada faz mais sentido, porque definitivamente podemos transformar esse inferno que é a nossa visão do outro (presta atenção!) em um verdadeiro paraíso. 

Pode parecer impossível para alguns, e sempre tem alguma história.

- Mas como é que pode, impossível ter uma boa relação com aquele ser terrível que me ofendeu!

E novamente é verdade, dentro dessa perspectiva não dá mesmo, dentro desta forma de ver, realmente não dá! 

Mas, se você parar e pensar, quem se ofendeu? Vai se dar conta de que é exatamente aquela criação a que me referia, exatamente aquele ser que sempre vê o mundo da mesma maneira e que não pode perder.

Sem abrir o mínimo de espaço e se questionar, de fato não tem como ter uma boa relação com todos aqueles babacas (mesmo que os amigos e as mães deles amem eles  - só podem ser loucos ou babacas como eles né?!). Risos 

Ainda mais sutil e mais difícil é fazer isso com seres execráveis quase que por unanimidade! 

Se eu me referi a todos os seres e não apenas pessoas, como fazer com aquela barata nojenta? E com o mosquito que quer me picar? E o cupim que ta comendo minha madeira? Hahaha 

É difícil mesmo, porque minha casa, minha madeira, meu quarto, minha ideia, não podem ser confrontados nem invadidos por ninguém, nem por um mosquito sequer!! 

Não é um campo fácil de se avançar, mas penso o que importa realmente não são esses detalhes nem questões mais complexas, mas sim apenas deixar a mensagem de que é possível ser diferente

Me surpreende como são poucas as pessoas que dizem isso. Acho que é por isso que eu escrevo... 

Estou mesmo convencida de que o objetivo não é ser reconhecido por alguém (o que pode ser desesperador pra muita gente), muito menos ganhar de ninguém. 

Talvez então o objetivo seja ficar em paz, e se divertir, aproveitar a liberdade que temos para criar coisas diferentes e lúdicas, ao invés de ficar sustentando sempre as mesmas formas.

É mesmo como disse o mestre, ter boas relações com todos os seres. E por mais que dezenas de vezes por dia eu tenha que me lembrar "hei acorda", falo tudo isso por experiência própria. 

Você não faz ideia como sua interação com o mundo pode mudar! 

É possível, e no fim nem é tão difícil, basta abrir só um pouquinho de espaço aí dentro desse coração aprisionado em convicções. Não precisa ter medo, nada de ruim vai acontecer! Na pior das hipóteses você pode acordar! =)

Um comentário:

  1. Ótimo texto e ótimo assunto Ju.

    Concordo que nossa visão de mundo particular e pouco flexível é causa de consideramos que o problema é o outro. Acrescento pontuando minha opinião sobre os motivos da dificuldade de abrirmos mão de nosso mundinho de crenças particulares, isto é, de ACORDAR. Minhas observações me levam a considerar que a necessidade e conveniência são os principais fatores. Exemplifico:

    A homofobia mais me parece uma necessidade do homofóbico do que uma limitada visão sobre a sexualidade humana. Por exemplo, o gay enrustido - que tem muita vergonha de ser gay - convenientemente pode ser um grande homofóbico, pois assim ele "engana" a sociedade, já que o senso comum diz que se um sujeito é homofóbico ele não deve ser gay.

    O preconceito aos crackentos e outros usuários de drogas ilegais por parte de usuários da droga álcool e de tarja preta mais me parece uma forma de expiação - crucificar o outro para conseguir o seu próprio perdão - do que uma simples opinião sobre o uso de drogas. Isto é, você aponta o dedo pros que usam uma droga diferente da sua pra tentar indiretamente dizer que a droga que você usa não é tão "ruim" como a do outro. Pode ser uma impressão, mas vejo muitos usuários habituais de álcool serem contra a discriminalização da maconha, como se assim se sentissem melhor ao dizer, completamente bêbados, que "drogados são os maconheiros" como se não estivessem igualmente drogados.

    Achar os mosquito nojentos também é uma forma de justificar o extermínio deles. Se eu reconhecer que os mosquitos apenas estão se alimentando, fica mais difícil não me sentir mal ao acabar com centenas deles por causa de umas mordidas.

    Então. Concordo que nossa visão de mundo não nos permite ver "o outro lado" possível das coisas. Mas essa nossa visão de mundo não veio do nada. As pessoas têm dificuldade de viver com contradições entre suas ações e suas convicções. Então a solução é mudar ou as ações ou as convicções. Mas como certas ações são necessárias ou convenientes para a vida, só resta então mudar as convicções. E aí criamos aquele mundinho particular que você cita no texto. Um mundinho de crenças convenientes para justificar nossas ações. Uma pessoa só é capaz de sair desse mundinho se também for capaz de aceitar suas contradições, o que também é o primeiro passo para superá-las. Um carrasco nunca será contra a pena de morte, pois precisa de seu emprego para pagar as contas de casa. A menos que seja capaz de viver com a contradição entre o que acredita e o que tem que fazer para garantir a sobrevivência de sua família.

    É difícil acordar.

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