domingo, 30 de novembro de 2014

Somos interação, interligação, interdependência.


Recentemente comecei a ler o livro "O cérebro do Buda" de Rick Hanson e Richard Mendius, um neurologista e o outro neuropsicólogo. O livro pretende abordar algumas descobertas da neurociência sobre a possibilidade de transformarmos o nosso próprio cérebro e as nossas conexões neurais através de práticas cotidianas para alcançar maior bem estar e qualidade de vida.
Dentre as principais práticas estudadas pela neurociência que têm gerado resultados bastante interessantes estão as práticas contemplativas e de meditação. Apesar de conhecer algo da meditação pela tradição budista no âmbito espiritual, achei muito interessante a abordagem razoavelmente leiga que eles fazem para explicar certos assuntos, e fiquei muito surpresa com alguns dados fornecidos no livro que de alguma maneira confirmam um dos pilares dos quais parte a visão espiritual, de que todos os seres e todos os fenômenos estão interligados.
Uma das coisas que me chamou especial atenção foi a informação de que no nosso cérebro temos mais de 100 bilhões de neurônios que realizam cerca de 5.000 conexões cada, sendo que o número de combinações possíveis entre os neurônios é muito maior do que o número de átomos no universo.
Isso significa que o número de formas mentais e interações que realizamos com o próprio corpo e o mundo é significativamente maior do que o próprio mundo em si. Pensando nisso algumas expressões como “infinito particular” fizeram muito sentido. Já o termo “mundinho particular” na verdade deveria ser chamado de “super-cosmos” particular! 
Para muitos a interdependência de tudo não é novidade, afinal, todos habitamos o mesmo planeta e fazemos parte do mesmo universo. Entretanto, ainda que a gente possa entender isso teoricamente, nossa capacidade de abstração extremamente limitada nos leva a esquecer frequentemente dessa realidade. Por isso, nem sempre consideramos as possíveis consequências de nossas ações e pensamentos, e às vezes estamos tão auto-centrados que sequer cogitamos a amplitude dessa constatação e conseguimos incrivelmente nos sentir sozinhos no meio de multidões e enxergar fatos como situações isoladas.
Esse tema também é abordado pela teoria do caos. Para quem nunca ouviu falar dessa teoria, ela poderia ser explicada, muito simplificadamente, como a ideia de que em um sistema complexo e dinâmico, a própria inconstância da natureza e suas inúmeras variáveis, por mais ínfimas que sejam de início, no final podem afetar significativamente um estudo gerando desvios imprevisíveis e resultados aleatórios. É dessa teoria que decorre o famoso efeito borboleta pelo qual se diz que "o bater de asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova Iorque".
Pensando nisso tudo, e em como faz parte do conceito de vida a troca de substâncias e energia com o meio ambiente, considerando que somos seres vivos em constante interação, é assombroso imaginar todas as conexões que realizamos, tanto com objetos internos da mente quanto externos do mundo.
Disso resulta que faz parte da nossa mente e do nosso “super-cosmos particular”, não apenas nossas sensações, pensamentos, sentimentos, desejos, etc., mas também todas as relações “externas” que temos com a linguagem, a cultura, ações, reações, o mundo natural, o próprio corpo, cérebro, e mais, a própria mente!
Não é incrível?!
Desde nossa formação física, que nada mais é do que poeira cósmica, como poeticamente bem definiu Carl Sagan, produto de explosões estelares e da intensa interação entre corpos celestes, até nossa complexa e ilimitada mente, nada mais somos do que um conjunto de relações com nosso entorno, interligação, interconexão, interdependência.
Aprofundar essa ideia por si só já dá bastante margem para inúmeros questionamentos e reflexões, dentre as quais, a da responsabilidade, e consequentemente a liberdade, que temos de nos inventar e reinventar a cada interação. 
Conforme dito no livro, inúmeras práticas permitem transformações e melhorias das relações que experenciamos, seja no âmbito fisiológico, do cérebro e dos circuitos neurais, que podem tanto ser transitórios quanto reforçados por padrões e hábitos, mas ainda assim mutáveis, seja no sentido inverso, utilizando-se das mudanças da mente para modificar o cérebro.
Pensando dessa maneira, realmente parece que nada poderia casar melhor com a neurociência, que estuda as funções neurais fundamentais, de regulação, aprendizado e seleção que fazemos, do que as práticas contemplativas e de meditação, que em última instância nada mais são do que formas de acalmar nossas emoções e confusões para enfim enxergarmos nossa verdadeira natureza interdependente e inseparável, não sem antes causar diversos efeitos colaterais como a redução de níveis de ansiedade, stress, entre outras emoções perturbadoras, e até pensamentos negativos, ao modificar nossos padrões de pensamentos por tabela.
Cientes de tudo isso, fica a pergunta inevitável: Como temos realizado nossas relações? Com o nosso entorno, com os demais seres, com nossos conhecidos ou desconhecidos, (pouco importa)... será que estamos criando boas conexões, bons relacionamentos? 
Nossa tendência é de se afastar das pessoas, gerar má vontade, raiva, aversões, machucar, ainda que inadvertidamente seres ao redor, ou estamos trabalhamos para modificar esses padrões e criar algo mais favorável?
Sabendo que quanto mais próximos os seres de nosso convívio, mais responsáveis somos, vale lembrar, por fim, uma das mais belas lições de Antoine Exupéry, de que “nos tornamos eternamente responsáveis pelo que cativamos”! 
        E então, o que estamos cativando, ou no que estamos nos tornando?

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