domingo, 27 de setembro de 2020

Agradecer e celebrar.

Hoje eu cheguei à última página do meu caderno da pandemia, um caderno cheio de reflexões, pensamentos, questionamentos e desabafos, meio diário, meio auto-análise; meio terapêutico, meio inspiração; e como gosto de escrever, estando essas últimas páginas do dia de hoje com uma visão tão bela e positiva, pensei que em meio a tantos desânimos e dificuldades podia ser interessante partilhar algumas coisas.


Hoje aqui em casa estamos no 198º dia de isolamento social. Mais do que o 'nós' aqui em casa penso que o 'estamos' se refere a algo maior, porque esse nós é muito mais um coletivo do que algo pessoal, individual ou familiar. Ainda que nem todos na coletividade sigam tendo tantos cuidados quanto há uns 100 dias atrás, muitos ainda permanecem firmes nos cuidados, e mais do que isso, só é possível seguir assim pelas redes de apoio que construímos.

Sobre esse ponto, algo que me marcou muito no primeiro curso de introdução à CNV (Comunicação não violenta) que fiz há alguns anos foi a frase enfática de que "ninguém é incrível sozinho", pois todos que se expressam de forma incrível no mundo na verdade são fruto de uma rede de apoio incrível! E isso é muito verdadeiro! Algo que parece muito óbvio, ao menos pra mim hoje, mas que eu não tinha parado pra pensar até então.

Por entender assim eu percebi que na mesma medida em que cuido dos seres ao meu redor, sou igualmente cuidada, e esse cuidado mútuo foi a melhor compreensão do amor que eu tive nos últimos tempos. É o que nos fortalece e nos permite aguentar e superar as dificuldades a cada dia.

Todos nos cuidamos e reconhecer e agradecer por isso é raro, precioso e não poderia guardar apena para mim.

Talvez esse texto então sirva como singela homenagem ou agradecimento à rede de apoio que nos permite viver bem, mesmo em isolamento social e mesmo diante das adversidades. Tanto aos familiares, amigos mais próximos, conhecidos, produtores, transportadores, e porque não incluir logo toda a biosfera?!

Faz sentido, afinal gratidão pela oportunidade de praticar concretamente algumas visões foi o que permeou as últimas páginas do meu caderno pandemico. 

Agradeci pela possibilidade de ver como oportunidade de prática e não uma 'maldição' ou pesar todas as coisas que deixei de fazer por interesse pessoal e dos impulsos e desejos egóicos que deixei de seguir. 

Por isso esse texto também pode se tornar uma mensagem de que é possível fazer renúncias alegres quando não estamos tão autocentrados. Pensar nos outros, nos meus pais, nas equipes médicas, na coletividade me faz ultrapassar vários hábitos mentais do autocentramento. Isso é uma oportunidade raríssima e por isso eu também agradeço. 

Enfim, acho que esse texto é também uma celebração, porque reconheço que temos muito a celebrar e comemorar por todo esse amor e união que vejo e que definem o sucesso, em minha humilde opinião, me fazendo lembrar de uma bela citação de Emerson:

Espero que esse texto seja bem sucedido nesse sentido também de trazer algo positivo a quem o lê. 

Que possamos todos ver a beleza em qualquer circunstância e celebrar a oportunidade de dar novos significados a qualquer situação, e que assim todos os seres possam ser beneficiados.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

O que podemos fazer?

Diante do momento crítico que vivemos já há algum tempo, uma questão que tem inquietado muitos corações tem sido “O que podemos fazer?”.
Não é algo de hoje, nem decorrente dos últimos acontecimentos e movimentos ou problemas sociais que parecem se intensificar a cada dia, mas certamente pode ser algo que emerge com maior intensidade nesses momentos.
Muita gente talvez ainda não saiba o que fazer ou sinta que não está fazendo nada, mas isso não é verdade.
Hoje o texto "Guia da Resistência Pacífica" indicado para uma tradução me tocou particularmente, pois nele a autora enumera 8 possíveis ações políticas pacíficas no contexto da vitória de Trump nos Estados Unidos, a saber:
1. Protestos pacíficos.
2. Exigir atitudes entrando em contato direto com os representantes que elegeu. 
3. Organizar protestos e mobilizar seus contatos e amigos.
4. Apoiar organizações e instituições de caridade. 
5. Apoiar um jornal ou mídia confiável. 
6. Escolher suas batalhas ao invés perder energia em discussões de facebook ou de reuniões familiares. 
7. Cuidar de si mesmo. 
8. Inspirar-se no passado, com exemplos como os de Gandhi, Luther King, Mandela.
Realmente são excelentes recomendações, com a ressalva, é claro, das possibilidades que o momento exige diante do isolamento social.
Entendo que ao compartilhar essa visão, também estou mobilizando vocês, meus amigos, contatos e eventuais leitores desconhecidos. 
E para além disso tudo, acredito que podemos fazer ainda muito mais, individual e coletivamente.
Quem acompanhou a última reflexão aqui sabe que cada gesto e atitude nossa importa, contudo pensei que poderia exemplificar mais ações que podemos ter hoje, mesmo para quem está em isolamento dentro de casa. E para isso pensei em aproveitar a estrutura da grande lição que fundamenta todo o caminho budista que em resumo diz: 


Assim, seguem algumas possibilidades em cada um desses aspectos.

1. Evitar negatividade.
- Combater fake news. Como?
Conferir os links que nos enviam antes de encaminhar.
Ler e se informar sobre o que foi enviado, sem ler apenas o título do link.
- Filtrar informações. Informação demais satura e perde o sentido e o valor para quem a recebe.
- Não disseminar medo, ansiedade e desespero com informações incompletas, incorretas, ou que trazem apenas problemas sem qualquer propostas de intervenção e solução.
- Não apoiar causas, pessoas e empresas que geram negatividade, que não se importam com a vida. Aqui incluiria a renúncia consciente de produtos, marcas, atividades, serviços e formas de consumo que geram degradação ambiental, social e humana.

2. Gerar positividade.
- Sustentar formas de vida e de produção em que você acredita.
- Valorizar o produtor local e artesanal.
- Preferir, apoiar e divulgar, ações e iniciativas que demonstram preocupação e cuidados com o ser e o viver.
- Participar de uma rede de apoio.
- Auxiliar economicamente alguém ou uma causa que precisa de você.
- Honrar tanto quanto possível com os compromissos assumidos com as pessoas e serviços que contratou.
- Compartilhar informações úteis e textos com conteúdo que podem ajudar as pessoas a formarem suas opiniões de forma emancipadora.
- Apoiar causas sociais, conforme sua condição. Quem pode efetivamente agir com trabalho voluntário, faça. Quem pode ajudar com financiamento, ótimo. Mas mesmo se não puder com nenhum dos dois, ainda é possível divulgar e apoiar boas iniciativas em suas redes de contato. Talvez como eu, mesmo quem não gosta de compartilhar muita coisa nas redes sociais pode curtir, comentar, e incentivar os trabalhos que cuidam da vida. E mesmo quem usa pouco a internet para isso ainda pode eventualmente fazer um pouco de cada uma dessas ações, quando for possível.
- Cuidar dos amigos e pessoas próximas. Eles estão bem? Precisam de ajuda? O simples ato de lembrá-los que alguém se importa com eles pode ser transformador!
- Compartilhar bons exemplos, ações inspiradoras e positivas.

3. Dirigir a própria mente.
- Meditar e gerar liberdade diante dos impulsos.
- Preservar sua saúde mental.
- Cuidar de si para poder cuidar dos outros.

Em suma, acho que tudo isso visa apenas tentar fazer parte da solução e não do problema.
Claro que muitas outras ações podem ser pensadas e incluídas, além disso não é uma receita ou lista definitiva para ninguém. Cada um pode e deve adaptar as sugestões conforme sua realidade e possibilidade. Quem sabe essa estrutura também pode ajudá-los a vislumbrar e/ou desenvolver e aprofundar suas habilidades a partir desses referenciais?
Talvez ainda mais importante que ‘o quê’ exatamente cada um vai fazer, seja a motivação e a dedicação que vamos empregar no sentido do que acreditamos.
Essas são minhas motivações para escrever hoje. Através do caminho budista aprendi que não podemos abrir os olhos dos outro com um alicate, mas podemos abrir nossos próprios olhos e caminhar no sentido que acreditamos.
Quanto mais próximos estivermos do que acreditamos, todo e cada pequeno gesto também estará mais próximos da verdade, e somente assim poderemos ensinar pelas costas, sendo exemplo daquilo que acreditamos, mesmo em um mundo cheio de atropelos.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Como ser (politicamente) coerente?


Não nego, a política está em minhas veias, em tudo que faço, mas porque então eu estaria tão avessa às discussões políticas governamentais nos últimos tempos?
As notícias de hoje, junto a uma pequena discussão e uma grande revolta expressa em duras palavras me fizeram perceber e assumir publicamente pela primeira vez por que eu me afastei de temas políticos governamentais ( frise-se) e de me envolver em questões cotidianas há um bom tempo. Entendi que talvez eu me sinta frágil e sem estrutura emocional para lidar com tantos desgostos.
Dentro de uma visão de mundo crítica, via meus ideais e sonhos se tornando cada vez mais improváveis, inalcançáveis e irrealizáveis. Via um mundo sórdido, complexo e muito maior do que eu e meu entorno. E então me questionei se essa visão não me tornaria amargurada como os velhos[1].
Não quero ser uma pessoa amargurada, pessimista e crítica do mundo todo. Sempre tive aversão a essa ideia e cheguei até mesmo a fazer um voto, uma promessa, de nunca deixar o mundo me tornar uma velha amargurada.
Entendi que a esperança é o que nos torna jovens, perdê-la nos envelhece.
“Sonhos não envelhecem”, mas perdê-los nos envelhece.
Felizmente lembrei que tudo isso é apenas uma visão de mundo possível, uma bolha, entre tantas outras possíveis.
Imediatamente me veio outra visão, a de quem acredita no pequeno que cada um pode fazer em seus contextos. Como já dizia o grande mestre que tanto me acompanha nesse blog:
Na verdade o mundo é grande, mas está sempre mudando, não somos exatamente nós quem mudamos o mundo, isso é muita pretensão, porém fazemos parte dessa grande e incessante mudança. A pergunta então é: como fazemos parte dessa mudança?
Reclamar, chorar e espernear pode ajudar a aliviar as dores, mas não é exatamente a melhor atitude a se ter frente ao mundo.
Tampouco é necessário ser uma figura pública para fazer parte da mudança. Ouso dizer (mesmo imaginando possíveis críticas e aceitando-as de coração aberto), que nem mesmo é necessário ser militante para fazer parte dessa mudança. Admiro enormemente a militância, porém acredito que é algo para os fortes. 
Se eles são os fortes, nós somos a fortaleza!
Então a resposta, ao menos para mim, é ser e estar consciente de minhas ações. TODAS são escolhas políticas, de vida, de mundo, e sustentam e direcionam o mundo em que vamos viver. Todas!
Desde o que faço com meus rejeitos, o que consumo,  o quanto consumo, como consumo, de quem consumo, por que consumo. O que faço, ou deixo de fazer, como faço, para quem faço, e por que faço. O que você digo, como digo, para quem digo, e por que digo. Enfim, tudo o que penso, falo e faço! Ações e omissões em todas as direções.
Se eu acredito em um mundo mais pacífico com relações de qualidade, vou buscar me relacionar com qualidade, com respeito, vou buscar uma comunicação não-violenta e assertiva.
Se eu penso que não somos apenas aquilo que acreditamos ser, vou buscar entender o que está além de meu ego e suas infinitas preocupações.
A partir disso, direciono meus anseios para aceitar o que não tiver solução e poder contribuir na mudança do que puder ser mudado.
Que eu possa ser coerente com tudo o que eu acredito, sabendo que quando não conseguir, que eu possa perceber, aprender e melhorar para um dia SER a liberdade que acredito possível.
Que eu possa ser a honestidade que acredito necessária. Que eu possa ser a humildade que acredito fundamental. Que eu possa ser a sensibilidade, a compaixão, o amor, a alegria e a equanimidade que acredito em todas as minhas ações, manifestações e pensamentos.
De repente me senti mais coerente e revolucionária do que nunca, pois só é possível ser coerente, sendo aquilo que acreditamos, e é esse então meu propósito e objetivo.
Abrir esse coração também aqui publicamente é revolucionário para mim. Espero que também seja para você. Que possamos todos nos abrir, nos compreender e nos aceitar como somos, respeitar nossas limitações humanas, mudar o que puder ser mudado dentro de nossos corações e sermos o que acreditamos.
Que possamos ser no cotidano da mesma matéria de que são feitos nossos sonhos!
Na fluidez e mudança constante de nossos mundos, enfim agradeço à discussão política, ao encontro e a oportunidade de compartilhar mais uma reflexão desse meu mundo interior.




[1] Sem ofensas, chamo de velho justamente aquele para quem o sonho acabou, não tem nada a ver com a idade em si!

sábado, 4 de abril de 2020

Leve o tempo que levar, que possamos sempre sonhar!

Levei anos para voltar a postar algo aqui. Não que eu tenha deixado de escrever todo esse tempo, escrevi muito e intensamente em vários momentos, outros nem tanto, mas como toda lua ou ciclo da natureza, os pensamentos estavam mais introspectivos, sem motivação para publicar.


Agora, a fase de lua nova se renova e volta a brilhar no espaço do meu céu aberto a quem quiser compartilhar esse olhar das estrelas, ou dos fenômenos.


Não sei quanto durará esse novo ciclo de lua crescente que se mostra e aparece aos olhos físicos, mas fico feliz em aproveitar esse momento de quarentena para isso também, quem sabe a gente encontra aqui mais um canal para compartilhar nossos olhares, sonhos e visões, já que não podemos trocar esses olhares fisicamente e frente a frente, ao menos por enquanto.


E por falar em sonhos, é sobre isso que queria falar. 


Hoje é meu 22º dia de quarentena.


Levei 21 dias para assentar muita coisa aqui dentro, 21 dias para ter vontade de escrever, 21 dias fugindo do inevitável, buscando aplicativos e amizades em encontros virtuais, entretenimento, filmes, jogos online, etc. Levei 21 dias para apenas aceitar minha própria companhia e ficar em paz com o mais simples e banal cotidiano de apenas acordar, fazer um café da manhã com carinho para a família, sentar para meditar, ainda que não por mais do que meia hora, sentar para escrever, e simplesmente aceitar e relaxar. Para estar em paz por apenas respirar, uma vez após a outra.


Levei algum tempo e penso que cada pessoa levará o seu, mas estando em paz por simplesmente estar aqui e agora, me deu vontade de agradecer. Agradecer e compartilhar esse agradecimento.


Agradeci ao coronavírus, por permitir perceber o que há de mais sublime em cada fenômeno, pensamento, sentimento e ação. Por mais degenerado, caótico ou banal que pareça, na verdade sua origem é a mesma daqueles fenômenos que classificamos e consideramos mais elevados.


Hoje eu olhei para dentro do caos da minha mente, negações, medos, anseios, dificuldades, enfim, todo o lodo e as lágrimas (vertidas ou não), e imediatamente imaginei todo o sofrimento que tantos seres humanos estão experienciando neste momento. Percebi que não sou esses pensamentos. Essas emoções e sentimentos não me definem, e de igual maneira, ninguém deveria se resumir a isso, se identificar e se aprisionar nos pensamentos ou sentimentos que surgem. Eles são tão impermanentes e efêmeros quanto a aparente normalidade ou normose à qual estávamos acostumados, apostando dia após dia em sua continuidade. Essa foi mais uma prova de que somos, sempre fomos e continuaremos sendo LIVRES!


Agradeci ao coronavírus por me permitir parar tudo que eu fazia e apenas olhar. Olhar para dentro e olhar ao redor. Por me permitir imaginar, ainda que utopicamente, um mundo diferente, já que aquele em que vivíamos jamais voltará a ser igual.


Se a economia que conhecíamos não serve para enfrentar o momento que vivemos enquanto humanidade, que possamos pensá-la diferente, e ao invés de querer reconstruir algo que já era disfuncional, que possamos sonhar juntos como seria um mundo mais lúcido e equânime!


E igualmente se somos livres, que possamos sonhar como será também nosso novo ser após tudo isso passar!

Essa foi a motivação para escrever e compartilhar… 


Como dizia a velha frase clichê (mas nem por isso menos verdadeira): 


“Um sonho que se sonha só é apenas um sonho, um sonho que se sonha junto torna-se realidade”.


Por isso o convite é para sonharmos juntos!!


Como seria um mundo novo para você? O que você é capaz de sonhar?


Eu particularmente pensei que no meu sonho de mundo futuro, não deveria haver dívidas, gente rica, gente pobre. Teríamos prazer em cuidar de nós mesmos e do que está ao nosso alcance. Viveríamos com menos, pois não iríamos terceirizar cuidados e teríamos apenas o que somos capazes de cuidar sem perder nossa saúde física e mental. Acho que por isso, haveria menos academias, restaurantes e comércios, pois iríamos consumir apenas o essencial. Dessa maneira haveria menos indústrias poluindo o ambiente e menos necessidade de explorar a natureza. Poderíamos caminhar até nossos trabalhos e todos teriam um trabalho valorizado e que respeite seus limites humanos. Cuidar dos filhos e da própria casa, cuidar de si e cuidar de alguém também seria reconhecido como um trabalho, e não apenas o que produz algo econômico. 

Entenderíamos que ninguém é uma ilha ou está sozinho, nem ninguém se salva só, mas apenas nos salvamos quando nos cuidamos enquanto coletividade. Sendo assim, certamente iríamos ultrapassar a visão individualista e nossos pensamentos megalomaníacos teriam um fim. 

Nunca fui escoteira, mas penso que a visão do escotismo deve ser muito interessante para pensar em uma humanidade com capacidade de cuidar da vida e sobreviver mesmo em situações adversas de forma mais cooperativa, por isso as escolas também teriam que mudar. Certamente as disciplinas deveriam ser mais práticas, menos teóricas, para que o que as crianças aprendam seja algo realmente útil no cotidiano e não apenas para acumular conhecimento.


Por fim, mas não por último, nesse meu sonho, aprenderemos algo globalmente, e não apenas individualmente, e não formaremos pequenos grupos ditos "alternativos", mas sim "alterativos" pois, capazes de alterar nossa realidade, assim o faremos!


E para compartilhar mais uma boa dose de inspiração para sonhar, fui resgatar esse texto maravilhosos do grande mestre Eduardo Galeano em que ele proclama o direito ao delírio e o direito de sonhar!




Que possamos sonhar e realizar esses sonhos juntos, mesmo que leve tempo!


Assim como levei um tempo para voltar aqui, e cada um levará seu tempo para aceitar a nossa nova situação humanitária, que cada um em seu próprio tempo possa, ao final, igualmente confiar que a mudança é sempre possível para realizar tudo que pudermos juntos sonhar!

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Entender o outro

    Eu fico triste ao encontrar pessoas e manifestações de conhecidos muito diferentes do que eu acredito, fico chateada mesmo, gero aversão não apenas à opinião ou manifestação, como às vezes também ao próprio interlocutor, por mais querido que seja, eu confesso, dá uma decepção no coração...

    Por outro lado, quando vejo algo no mesmo sentido do que eu penso, eu fico feliz, aplaudo, dou apoio!!!

     Mas opa, peraí, nem tudo é assim tão simples.

    Hoje cheguei à conclusão de que isso é só o meu ego querendo se satisfazer, encontrar concordâncias para dizer que estou certa e que tenho razão!

     Mais alguém sente isso atualmente? 

     Acho que infelizmente não sou a única! :(

    Diante dessa constatação eu comecei a me questionar: Porque é tão difícil os outros me entenderem? E essa pergunta, assim como todo pensamento de mão dupla já veio acompanhado com o outro lado da moeda: Porque é difícil para mim entender os outros?

     O que diferencia eu e você? ... O que somos afinal? 

     É, eu costumo ir longe com questões aparentemente bem simples, mas vamos às reflexões do dia...

    Eu acredito que nosso ego nada mais é do que um agregado de pensamentos, sensações, percepções, um misto de contradições, todos frutos de construções, visões parciais,  raciocínios mais ou menos lógicos, no fundo muito mais ilógicos do que imaginamos ou gostaríamos que fosse!

    Numa disputa de ideias pode parecer que uma é mais certa do que outra, mas será? Será que há apenas uma certa? Será mesmo que uma pode ser defendida como melhor do que outra? Ou será que todas podem estar certas, cada uma em seu contexto de formulação?

    Eu me questiono tudo isso, porque, em regra, eu não consigo entender aqueles que eu rotulo como conservadores, vingativos, raivosos, preconceituosos que têm orgulho disso, seres que não têm solidariedade social como valor em suas vidas, etc... eu me questiono isso porque antes também me questionei como é possível que as pessoas defendam ideais que vão contra elas mesmas?! Como podem aceitar que os EUA digam o que é democracia no mundo, ou desejar que o outro se ferre ou que as coisas piorem só pra ter razão, e etc... (muitos etc...)

    Bem, na dialética desse pensamento eu/outro, volto para mim e vejo, um pouquinho de história sempre elucida muitas coisas, afinal se hoje me identifico com certos ideais, penso assim ou assado, certamente é porque cresci em um contexto em que me foram apresentados alguns conceitos, valores, situações e formas de interpretar o mundo.

    Desde pequena fui ensinada pelos meus pais a não só ver os invisíveis (los nadies como dizia Galeano), mas também a olhar para eles, e até hoje nenhum passa despercebido sem deixar marcas em mim, por mais banal que seja a cena, por mais submisso e indigno que pareça o pedinte, por mais violento e agressivo que seja o assaltante... outro fator importante na minha concepção de mundo foi o fato de ser influenciada diretamente pelo meu irmão mais velho e suas lutas políticas e ideias que em grande parte praticou no movimento estudantil num contexto de universidades cada vez mais sucateadas. 

    Depois, estudando direito na UFPR não passei ilesa pelas aulas de filosofia e fiquei muito atenta às questões sobre falácias. Ainda mais à frente, finalmente pude ter acesso à compreensão de porque achava bizarro o direito penal, e a (in)justiça brasileira, que não fazia o menor sentido, não sem antes conhecer uma visão crítica do direito penal... e assim fui formando minha opinião. Tendo noções sobre ideologia também passei a ver que se declarar contra a corrupção em contextos políticos de cabo de guerra é muito perigoso, pois serve convenientemente para reificar o discurso dos que perseguem seletivamente apenas alguns (de novo a visão crítica do direto penal me impede de ver de outra maneira, mas considero que nem precisava dessa compreensão pra chegar nessa constatação). 

   Entendendo um pouco como funcionam as relações de poder, não é de surpreender tantas coisas que acontecem diante da estrutura montada há muito tempo para manter no poder aqueles que sempre o tiveram, porém, é meio assustador ver os desdobramentos concretos disso tudo às vezes.

    Enfim, a ideia não é entrar no mérito de nenhuma dessas questões, e sim apenas demonstrar que assim como os outros, eu tenho muitas opiniões, formadas ou não, e sinceramente, cada uma delas poderia gerar tanta conversa que não tenho absolutamente nenhum interesse de defender nenhuma em confrontos tolos virtuais, mas apenas ilustrar como essas construções fazem parte da minha forma de ver e interpretar o mundo, assim como acontece com qualquer outra pessoa!

     Ao entender as minhas construções, naturalmente passo a entender também as do outro, fica mais fácil compreender que "ele" pensa diferente porque aprendeu diferente, tem outros valores e outra forma de ver e interpretar o mundo. 

   Nesse caso é muito compreensível que premissas diferentes vão resultar em opiniões diferentes não é mesmo?

    Tão bom se pudéssemos respeitar mais a história e visão de cada um, sem odiar o outro apenas por ser exatamente o que ele é: o outro!!

    De repente a aversão, o ódio, e a revolta que mencionava no início desse texto já não fazem o menor sentido e, ainda que minimamente, fica mais fácil aceitar as diferenças.

    Quando a raiva foi embora, ficou apenas a gratidão de ter encontrado alguma sabedoria em meio a tanto lodo!

     Espero que eu também não seja a única a sentir isso agora! 

   Quer tentar fazer esse exercício também? É muito simples, começa olhando honestamente para si mesmo, porque no final não há mesmo tanta diferença entre eu e o outro, e felizmente, não somos apenas o que nosso confuso ego pensa que é!

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Um grande acontecimento na região

O local tranquilo por onde ela passava praticamente todos os dias estava estranhamente movimentado. Dezenas de pessoas desciam a ladeira da rua pela qual ela subia para chegar ao trabalho. Chamou sua atenção, um senhor simples com feição cansada que vendia, ao sol do meio-dia, coisas que pareciam não se encaixar naquele contexto, meias, isqueiros e caixinhas de madeira.
Logo na esquina, um pouco mais no meio da quadra à esquerda, por onde não costumava passar ninguém, havia várias barracas e pessoas circulando pelo meio da rua fechada para os carros. De longe era possível ver que vendiam roupas e artesanato.
Pelo caminho, já na praça que havia em frente, vendedores de todos os tipos. Um moço oferecia blocos com números da sorte, no caminhão de comida, bolinhos de bacalhau e outros pratos típicos de Portugal, já na outra barraca, apenas pães. Senhores idosos com suas bengalas atrapalhavam o elevado fluxo de pessoas apressadas que passavam por ali, senhoras com suas belas roupas tiradas especialmente do armário naquele dia, casais de mãos dadas, homens e mulheres bem vestidos em meio aos mendigos pedindo esmola em cadeiras de rodas.
O moço que cuida dos carros arrecadando alguns trocados, o banheiro público com uma caixa para as contribuições. Caminhando mais alguns passos, uma mulher grita quase em seu ouvido: - “Crepe, refrigerante, água mineral com ou sem gás, um real”, e a cena que costumava ser tranquila, eventualmente embalada por uma ou outra canção de fundo, se tornou um tumulto.
Um pouco mais distante de toda a confusão ainda se via os efeitos de tanta gente, as ruas abarrotadas de carros estacionados dos dois lados por quadras e quadras, alguns parados em fila dupla impediam o trânsito dos veículos, que por isso pareciam estar estacionados também na rua inteira. Carrinhos de pipoca, vendedores de espetinho e entregadores de panfletos fazendo propaganda dos empreendimentos imobiliários da região.
Ao longe apenas se ouviu uma garota falando a uma senhora: - Corre mãe, corre, a missa da novena vai começar!

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Por que parece que precisamos de tanta coisa pra nos satisfazer?


Há muitas explicações evolutivas, filosóficas ou mesmo psicológicas para a insatisfatoriedade humana, no entanto, apesar de tantas análises e teorias, raramente paramos para observar isso em nosso cotidiano.
Na verdade, parece que vivemos nosso dia a dia com um botão automático de necessidades da modernidade e nem questionamos o tanto que trabalhamos para sustentar não apenas uma sobrevivência digna, mas também nossos consumos, padrões de vida e outras tantas coisas que queremos. Estudar para poder trabalhar em melhores condições e ganhar mais é a regra, com suas raras exceções. 
Além das questões materiais, nossas necessidades modernas também implicam em questões sociais e afetivas, e do mesmo modo queremos interagir bem com o maior número de pessoas possíveis, ter vários amigos, um (ou vários) relacionamento(s) amoroso(s), uma boa companhia para aproveitar o dia, curtir o fim de semana, desfrutar das férias. Isso tudo sem esquecer que ainda queremos ser bons administradores para otimizar o aproveitamento do tempo e fazer muitas coisas agradáveis, caso contrário a velha insatisfação bate à porta.
Pensando sobre isso, eu particularmente achei incrível ver como depositamos nessas e tantas outras coisas externas o poder de movimentar nossa energia!
Olho para meu mundo interno, desejos de diversas ordens, desde as mais banais como comprar um sapato novo, até as mais complexas, como poder encontrar vários amigos com mais frequência, ou procrastinar menos meus afazeres. Olho ao redor e contemplo inúmeros amigos, conhecidos ou até desconhecidos na rua, agindo igualzinho.
Os desejos e a intensidade variam, mas a necessidade de fugir do tédio, mostrar pra todo mundo que se está vivo e curtindo a vida pelo facebook, ou de fazer planos e desabafar sobre as frustrações nas conversas é a mesma.
Precisamos sair, conhecer gente nova, viajar, e fazer coisas diferentes com freqüência, ou seja, estar em constante movimento, físico ou mental.
Se fosse sempre algo positivo talvez não fosse tão ruim, mas o pior é constatar que não é só em coisas boas que depositamos o poder de nos estimular. Para muita gente até mesmo brigar é sinônimo de movimento, ou reclamar da vida própria e dos outros, caso contrário parece que ficam entediadas.
Conhecendo essa nossa constante inquietação, propagandas de produtos esportivos na televisão dizem que não fomos feitos para ficar parados. Algo realmente interessante, afinal liberar endorfina é ótimo. Outras ironizam a calmaria e nos incentivam a viver com emoção, mas que tipo de emoção é essa que tanto buscamos? Aliás, que buscamos e nos frustramos quando o resultado não é bem o que esperávamos.
Não sei se só eu vejo assim, mas às vezes parece que agimos como um bando de baratas tontas correndo para um lado e para o outro sem parar, num ritmo frenético tentando ativar e movimentar nossa energia de forma incansável!
Será que precisamos mesmo de tudo isso para nos sentirmos vivos? Não seria legal poder descansar e relaxar e ficar numa boa, sem medo de ficarmos estagnados, apáticos, ou de perder algo?
Realmente acho que não há uma resposta definitiva para essas perguntas, afinal é ótimo estar em movimento, mas ter que depender de tantas e tantas coisas e circunstâncias para se sentir assim, vivo, ativo, pulsante, parece mais uma prisão, uma obrigação auto-imposta, do que algo positivo.
Felizmente, aos que se sentem cansados de depositar confiança em fontes de energia externas que não controlamos, há uma boa notícia: é possível ser diferente!
Não são poucos os mestres e sábios que falam sobre a liberdade de poder escolher o que e como viver, sem ser levado por impulsos, reações automáticas e necessidades externas. É possível estar bem, independente das condições e circunstâncias, pois no fim e ao cabo esses fatores realmente não são tão determinantes assim.
Há vários exemplos para ilustrar e demonstrar isso. Acho que todo mundo conhece alguém que tem uma vida aparentemente invejável, mas que é infeliz, e não raro nos surpreendemos com pessoas de bem com a vida mesmo vivendo em condições extremamente desfavoráveis e difíceis. Assim como há pessoas vivendo verdadeiros infernos em situações que julgamos paradisíacas, outros, mesmo nas situações mais adversas, conseguem ter um posicionamento positivo e contagiante.
Acho que esses exemplos, que acredito que todos têm na memória, poderiam ser suficientes para nos fazer questionar um pouco mais sobre as coisas que achamos que precisamos para nos satisfazer. Aproveitando a deixa, acho que seria interessante também pensar e treinar a liberdade de lograr uma energia autônoma e não condicionada no dia a dia. 
Acho que vale a pena tentar!
Sem uma natural felicidade interior (uma sensação de alegria, despreocupação e bem-estar que não depende de condições externas, como sua família, amigos, posses ou o clima), nunca seremos verdadeiramente felizes. Vamos desperdiçar nossas vidas correndo atrás disso e daquilo, cheios de excitação por qualquer pessoa ou situação nova. Então sentiremos uma felicidade superficial por um curto momento, que se desfará e nos deixará com uma sensação de vazio novamente, e aí buscaremos alguma outra coisa. Então, para encontrarmos felicidade verdadeira e uma vida satisfatória, primeiro precisamos de uma base incondicional de felicidade” — Kyabgön Phakchok Rinpoche