Certamente este
ano não foi a primeira, e nem será a última vez, que ao final de uma disputa
eleitoral nos deparamos com as mais diversas manifestações de contentamento e/ou
insatisfação com o resultado.
Lembro bem
quando em 2002 o presidente Lula foi eleito pela primeira vez. Não faltaram
comentários preconceituosos e de discriminação sobre seu suposto déficit
educacional, que ainda são reproduzidos até hoje, como se o único aprendizado
possível fosse o da escola.
Quiséramos isso
fosse verdade e que a formação escolar bastasse para acabar com a falta de
educação e ideias nocivas sobre a vida e a sociedade! Se assim o fosse,
provavelmente não veríamos tantos graduados, pós-graduados, cultos e
intelectuais falando tanta besteira por aí!
Quem dera as
coisas mais importantes da vida realmente pudessem ser aprendidas em livros e
manuais! Provavelmente seria bem mais fácil viver e aprender, mas, como bem
disse Cora Coralina: “O saber a gente aprende com os
mestres e os livros. A sabedoria, se aprende com a vida e com os humildes”, e infelizmente, nem todos aqueles que
crescem intelectualmente desenvolvem inteligência emocional e acumulam
sabedoria.
A julgar pelo
que vemos não só nos jornais, mas também em nossas “timelines”, poucos
conseguem refletir, processar as informações e filtrá-las.
Realizar tais tarefas
demanda algum amadurecimento emocional e psíquico, mas, lamentavelmente, parece
que nem todos têm feito as lições de casa da vida.
Por conta
disso, muita gente, esquecendo da responsabilidade que se tem por cada ato e
palavra, acabou agredindo e hostilizado amigos e pessoas próximas, mesmo “sem
querer”.
Isso demonstra
como muitos ainda estão na primeira infância no quesito da inteligência
emocional. A maioria das declarações pós-eleições é simbólica para demonstrar a
forma que alguns possuem de lidar com as adversidades.
A inabilidade
de lidar com os contratempos levou várias pessoas insatisfeitas a culpar os
“outros” por seu fracasso. (O que é feito constantemente não só na política,
mas em diversas outras questões da vida).
Vendo dessa
forma não deveria surpreender tantos discursos de ódio a determinados setores
da sociedade, ou àqueles que pensam diferente. Afinal, para essas pessoas, os
“outros” não podem pensar diferente de “mim”, EU, senhor da verdade e da
sabedoria, caso contrário, serão rotulados de burros, idiotas e babacas. O “outro”
não pode votar em um candidato que eu não aprovo, porque se for assim eu digo
que foi voto de cabresto, por interesses pessoais escusos ou ignorância, não
sabem votar.
Nessa lógica,
não resta mesmo alternativa àqueles que ainda não aprenderam a regular e
separar suas emoções, nem a realizar um filtro e desenvolver o próprio controle
inibitório, senão hostilizar e diminuir o “outro”.
Realmente não era
de se estranhar algumas declarações vindo de pessoas imaturas, mas feliz ou
infelizmente, vindo de quem veio surpreendeu!
Surpreendeu
porque não imaginávamos quão imaturas eram algumas pessoas. Surpreendeu porque temos
pessoas muito queridas que também enfrentam dificuldades por serem diferentes,
que também sabem que é importante respeitar os demais e aprender a conviver com
a diversidade. Surpreendeu porque no meio dessas pessoas temos muitos amigos
que também querem ser respeitados por sua condição econômica, racial ou sexual.
Conhecidos que sabem quão importante é a tolerância e o respeito às diversas
nacionalidades e origens culturais e sociais.
Então o que
aconteceu com estas pessoas?
Será que foram
tomadas pelo “efeito manada” e se deixaram levar por alguns impulsos e
descontentamento sem refletir?
Pode até ser,
mas nem por isso podemos ficar calados e não nos horrorizar diante de certas
manifestações, cuja total falta de respeito, de tolerância e acima de tudo de
civilidade e espírito democrático foram assustadoras!!
É realmente
triste ver pessoas queridas que sofrem ou podem sofrer preconceito por serem
“diferentes” apoiando visões de mundo intolerantes, numa raiva cega porque seu
candidato perdeu uma disputa eleitoral.
Aparentemente,
alguns demonstraram que o discurso da compreensão e respeito só é válido quando
é em relação a “mim”. Quando “eu” quero o respeito dos outros, quando meu irmão
é deficiente físico, quando alguém da minha família tem algum distúrbio mental,
quando meu primo é bipolar, quando meu parente tem síndrome de down ou é autista, quando meu avô sofre de
alzheimer, quando o meu amigo negro, o meu empregado pobre ou o meu parente
homossexual é discriminado...
Essa não
parece ser uma atitude muito coerente não é? E esse é o grande problema da
hipocrisia, evidenciada nos discursos de ódio proferidos por alguns colegas,
expondo ideais do tipo: Enquanto eu estou ganhando, valem as regras do jogo,
mas se eu perco, não quero mais jogar, vamos pedir o Impeachment do candidato
eleito, vamos chamar a tropa de choque, os militares, destruir tudo, dividir o
país, etc.
Por quê? Porque
eu não posso perder!
É medonho
imaginar que por não conseguir aceitar a derrota, muitos preferem extirpar
todos os direitos e garantias da democracia para simplesmente vencer, valendo-se
até mesmo de clamores a um golpe militar.
É como se
estivessem dizendo: Tenho que ganhar a qualquer custo, acima da vontade da
maioria, acima da democracia, acima da unidade do território nacional, tenho
que ganhar acima de tudo e de todos.
Se por ventura
um dia sofrermos novamente um golpe de Estado seria bom lembrar que muitos
pediram por isso, e vergonha é pouco para expressar o que sinto sobre esse tipo
de manifestação, essa sim extremamente ignorante, porque ignora toda a história
e sofrimento vivenciados no período de regime militar não apenas no Brasil, mas
no mundo inteiro!
Já pensou se
realmente estas pessoas tivessem o poder em suas mãos?
Nessas horas,
fica ainda mais evidente como apesar de todas as dificuldades que enfrentamos, logramos
avanços civilizatórios significativos que culminaram na democracia que temos
hoje, e que mesmo não sendo perfeita, é a nossa maior conquista!
E felizmente,
democracia não é o que os perdedores recalcados querem que seja, nem
propriedade de alguns.
Na última
semana, ouvi relatos de inúmeras pessoas reclamando de ter que deletar amigos
do Facebook porque se tornou insuportável a quantidade de desaforos e ofensas
proferidas, inviabilizando o diálogo. Eu mesma optei por desfazer algumas
conexões virtuais de pessoas que mal conhecia e achei desprezíveis.
Diante de tão
insólito cenário, passei alguns dias pensando sobre até que ponto temos que
aprender a lidar com nossas aversões e a aceitar o outro apesar de não
concordar com seus pensamentos. Passei por um processo dialético incessante
entre a tolerância e a aversão a certas atitudes que parecia não ter solução.
De um lado, ao
pregar a tolerância, aparentemente teria que tolerar até mesmo estes discursos
infames, do outro, o receio em cair no mesmo senso comum de aversão e negação
do "outro" me incomodava.
Depois de
sopesar bastante essas questões, cheguei à conclusão de que por mais que seja
necessário e salutar nós aceitarmos o “outro”, o diferente, toda tolerância tem
limites e realmente não dá para tolerar a intolerância!
Não dá para
ser condescendente quando o “outro” quer impor sua visão individualista e
autoritária, sob pena de justamente dar espaço à negação da diversidade. Não dá
para se coadunar e ficar passivo quanto a certas manifestações de ódio e
intolerância difundidas aos quatro ventos.
A história já demonstrou
a relação direta entre a disseminação do discurso da intolerância e diversos
massacres, holocaustos e atentados aos direitos humanos, no sentido de aniquilar
o “outro”.
Muitos, buscando
amenizar e/ou justificar seus absurdos chegaram a afirmar que algumas
declarações foram apenas brincadeira.
Pode ser uma
tentativa de escapar da responsabilidade pelo resultado de suas ações
impensadas, mas não dá para aceitar certas brincadeiras que são, no mínimo, de
mau gosto.
Que tal se
disséssemos a todos os nossos negros e índios que o racismo é apenas
brincadeira, ou falássemos às nossas mulheres vitimadas diuturnamente que o
machismo é só galhofa, ou aos gays, lésbicas e trans que morrem por preconceito que as piadinhas são só gozação?!
Acho que não dá
né?
Penso que um
pouco de reflexão acerca do tipo de ideário que permite o desenrolar de
processos que culminam em tristes momentos como o que se viu na Alemanha
nazista, ou que vemos ainda hoje em Israel, na Síria, e tantos outros países, é
fundamental.
Pode não ser tão
fácil assim assimilar e conviver com as diferenças e criar um mínimo de senso
de respeito e aceitação do outro, mas é algo essencial, sob pena de retrocesso
e perda de nossas maiores conquistas civilizatórias.
Liberdade de
expressão, assim como todo e qualquer direito também tem limites. Por mais que
seja necessário nos esforçarmos para aceitar as opiniões que desprezamos, é
preciso ter cuidado para também não sermos cúmplices de atrocidades por
omissão.
Assim, por não
aceitar passivamente a conduta das pessoas que apóiam a polidez apenas quando
estão vencendo, mas querem impor sua lógica do tudo ou nada quando derrotados,
resolvi escrever.
E por
acreditar na possibilidade da lucidez se sobressair frente ao obscurecimento é
que escrevo e chamo todos os meus amigos, independentemente de seus
posicionamentos políticos, para uma reflexão sobre o tema.
Em momentos
como este, as pessoas podem expressar o pior e o melhor de si, então, ao invés
de responder com mais baixaria, tentemos sempre com respeito e com a motivação
correta, de beneficiar aqueles que acreditamos estar submersos em ignorância e negatividade,
despertar e estimular o que há de melhor em cada um ao nosso redor.
Quem sabe
assim, relembrando que somos seres sociais e somente logramos êxito em nossa
evolução por juntarmos nossos esforços, ao ressaltar o nosso espírito de
comunidade e união, que em última instância é o que nos faz verdadeiramente
felizes, possamos alcançar minimamente um pouco de paz em nossas consciências e
em nossos corações.